CRONOLOGIA DE CRIMES COVARDES PRATICADOS POR INSPIRAÇÃO E COM O APOIO DA CIA - A AGÊNCIA CENTRAL DE INTELIGÊNCIA NORTE AMERICANA


Anos de chumbo




Brasília, domingo, 25 de maio de 2003


Comissão da Câmara dos Deputados conclui relatório que admite a possibilidade de ex-presidente ter sido assassinado no exílio pela operação Condor, ação conjunta dos regimes militares sul americanos nos anos 70
Rudolfo Lago Da equipe do correio
O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas
O ex-presidente João Goulart (centro), deposto pelo Golpe Militar de 1964, chega ao Aeroporto de Montevidéu, Uruguai, para seu exílio: ele morreria 12 anos depois, na Argentina

Setembro de 1974
Buenos Aires, Argentina

Neiva Moreira, jornalista e exilado político, recebe a visita de um diplomata. ‘‘Há listas de matar e há listas de deportados’’, diz o diplomata. ‘‘Você encabeça a lista de deportados. João Goulart está na lista de matar’’.

Setembro de 1974 Buenos Aires, Argentina

uma semana depois o general Carlos Prats entra em seu carro na porta de sua casa, junto com sua mulher. Quando vira a chave, o carro explode. Os dois morrem. Ele também estava na lista mostrada a Neiva Moreira.

Meados de 1975 Santiago, Chile

uma casa no bairro de Lo Curro A casa esconde um laboratório químico clandestino. Ali, Eugenio Barrios cumpre uma missão secreta para o Departamento Nacional de Informação (Dina). Sua missão: produzir gás sarin, um composto químico altamente tóxico que, inalado, provoca paralisia neurológica, resultando em morte instantânea, equivalente à atribuída a uma parada cardíaca ou respiratória. Barrios tinha de encontrar uma forma de diluir o gás em água e colocá-lo dentro de um vidro de perfume Chanel nº 5. Esse perfume mortal seria usado para matar o ex-ministro do Interior e da Defesa do Chile no governo Salvador Allende, Orlando Letelier. O plano, porém, não deu certo. Optou-se por matar Letelier, em Washington, em um atentado a bomba.

Novembro de 1975 Santiago, Chile — sede do Departamento Nacional de Informação (Dina)

Os chefes dos serviços de informações das ditaduras sul-americanas fazem a primeira reunião formal da Operação Condor. Mas tudo indica que os governos já cooperavam antes nas suas ações de repressão. Evoluiu-se de um período de troca de informações, para uma etapa de ações conjuntas na busca de ativistas políticos até o plano de eliminação dos líderes políticos de oposição na América Latina.

Dezembro de 1975 Montevidéu, Uruguai — casa do deputado Tito Herber, candidato à presidência do Uruguai

Perto do Natal, Tito Herber recebe uma cesta com vinhos e frutas secas. Um cartão: ‘‘Ao querido companheiro de Congresso, ofereço neste Natal’’. A mulher de Tito abre uma garrafa de vinho e enche uma taça. Morre envenenada minutos depois. O alvo do atentado certamente não era ela. Era Tito Herber.

Maio de 1976 Argel, capital da Argélia apartamento do exilado político Miguel Arraes

O ex-governador de Pernambuco recebe em sua casa três agentes secretos do governo argelino. ‘‘Nós estamos vindo do Cone Sul da América Latina’’, informam os agentes. ‘‘Houve uma reunião da extrema direita para apreciar a questão de uma possível abertura política, a partir de uma pressão vinda do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter’’, continuam. Era preciso tomar providências para evitar que pessoas importantes que estavam presas e exiladas, em diferentes países, pudessem voltar com a abertura e empolgar a opinião pública no caso de uma eleição. ‘‘Eles decidiram, na reunião, condenar à morte essas pessoas’’, informam os agentes.

Junho de 1976 Buenos Aires, Argentina

Juan Torres é assassinado com um tiro na cabeça. Hector Gutiérrez, ex-presidente da Câmara de Deputados, e Zelmar Michelini, senador, ambos uruguaios, são fuzilados na rua. Ameaçado, Wilson Ferreira Aldunate foge para o Peru e escapa de ser a próxima vítima.

6 de dezembro de 1976 Província de Corrientes, Argentina - fazenda do ex-presidente do Brasil, João Goulart

No meio da madrugada, Teresa Goulart acorda o motorista de João Goulart, Roberto Ulrich, conhecido como Peruano. ‘‘O doutor Jango está passando mal’’, grita ela. Quando Peruano chega ao quarto de Jango, ele está de olhos fechados, debatendo-se, ‘‘como se estivesse faltando ar ou coisa parecida’’. Peruano corre até a cidade, 14 quilômetros distante. Volta com o médico, o pediatra Ricardo Rafael Ferrari. O médico examina o ex-presidente, vira-se para Teresa e informa: ‘‘Ele está morto’’. No atestado de óbito, coloca como causa-mortis apenas uma lacônica palavra: ‘‘Enfermedad’’ (em espanhol, doença).

Os tópicos acima bem poderiam ser capítulos de um romance de ficção política. Não são, porém, ficção. Por mais fantásticos que pareçam, são fatos da história política da América Latina. Mas que virarão um livro, a ser editado nos próximos meses pela Câmara dos Deputados.

O livro é resultado de uma apuração feita em 2001, por uma comissão especial da Câmara, encarregada de investigar as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964 pelo golpe militar. Somente agora o material apurado pela comissão foi organizado. Na última quarta-feira, o presidente da Comissão Especial, Reginaldo Germano (PFL-BA), entregou ao vice-presidente da Câmara, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), o calhamaço de 600 páginas datilografadas. O trabalho é assinado pelo ministro das Comunicações, Miro Teixeira (PDT-RJ), que foi o relator da comissão. O relatório de Miro abre margem para a possibilidade de João Goulart ter sido assassinado, dentro de um plano de extermínio de líderes políticos sul-americanos arquitetado pela Operação Condor. ‘‘Não há como afirmar, peremptoriamente, que João Goulart foi assassinado. Mas será profundamente irresponsável, diante dos depoimentos e fatos aqui consolidados, concluir pela normalidade das circunstâncias em que João Goulart morreu’’, escreve Miro Teixeira.

Nos anos de 1975 a 1977, vários políticos argentinos, uruguaios, bolivianos e chilenos foram assassinados. Nesse período, morreram com diferenças de poucos meses os três principais políticos brasileiros exilados depois do golpe de 64. Juscelino Kubitschek morreu em 22 de agosto de 1976 em um acidente de carro na Via Dutra. O ex-governador do Rio, Carlos Lacerda, morreu em um hospital em 21 de maio de 1977. E Jango na sua fazenda no interior da Argentina em dezembro.

Miro reconhece uma dificuldade em relacionar as mortes dos três políticos brasileiros aos assassinatos de políticos dos demais. ‘‘Se houve assassinatos, eles foram feitos de maneira a passarem por mortes por doença ou acidente. Isso dificulta sobremaneira a comprovação de ter ou não havido assassinato’’, observa, no relatório. Os relatos, porém, mostram claramente que JK, Lacerda e Jango, ainda que tenham morrido de morte natural, estavam jurados de morte. No caso específico de Jango, algumas circunstâncias estranhas envolvem sua morte. Àquela altura, ele já tinha escapado de uma tentativa de seqüestro. Uma dia antes de sua morte, Jango viajara do Uruguai para a fazenda na Argentina, de carro, acompanhado de sua mulher, Teresa Goulart. Seu filho, João Vicente Goulart, desconfia que o ex-presidente possa ter sido envenenado quando parou para almoçar na cidade argentina de Paso de Los Libres. Uma hipótese que ninguém à época teve o trabalho de procurar constatar. Ninguém procurou vestir Jango com uma roupa mais apropriada. Jango foi enterrado sem sapatos, com a calça desabotoada e a camisa do pijama. Seu caixão foi lacrado. Nem na Argentina nem no Brasil foi permitida uma autópsia no corpo.

Comentário do blog: aquilo que parecia ficção de Carlos Heitor Cony em O beijo da Morte é verdade mesmo?

ISBN : 8573025727 ISBN-13: 9788573025729
Livro em Brochura
1ª Edição - 2003 - 288 pág.
Preço = R$ 38,90
O Torto também é História, Cultura e Literatura.

3 comentários:

Anônimo disse...

Luiz Arraes:sou um dos dez filhos de Miguel Arraes.Ele ,de fato,foi comunicado pelao serviço de inteligência argelino que seria visitado por três pessoas e que só os ouvisse.Essas pessoas o visitaram.Falavam em castelhano e relataram a reunião da extrema direita das forças armadas como você bem conta.
Mostrara´-lhe uma lista de líderes que haviam sido condenados à morte nesta reunião.
Entre os brasileiros:JK,Jango,Lacerda e Miguel Arraes.Curiosamente Brizola não constava.
Meu pai tinha que ir à Itália para uma reunião do Tribunal Bertrand Russel do qual ele era membro efetivo.A Argélia pediu ao governo italiana proteção à sua integridade física.O digno senador italiano,democrata cristão,amigo de meu pai ocupou-se de tudo.
Fleury estava em Roma.Foi visto pelos dois almoçando no mesmo restaurante.A polícia italiana tratou de sua imediata expulsão da Itália.
Depois foram morrendo um a um,de diferentes modos os nomes da lista.

Anônimo disse...

Luiz Arraes:o nome do senador italiano é Lelio Basso,já falecido.

Anônimo disse...

Prezado Reginaldo,
sugiro a leitura do blog "rua do padre inglês",economista e escritor que morava na Argélia na época do exílio.