A MISSÃO DE UNIR O CONHECIMENTO POPULAR AO CIENTÍFICO


Entrevista do prof Abreu Matos ao site SAPIÊNCIA da Fundação de Amparo à Pesquisa do Piauí (FAPEPI)

Sapiência – Como partiu a idéia de criação do Projeto Farmácia Viva?

Dr. Matos - Pouco depois de aposentado, fiz um retrospecto de minha atividade ao longo 20 anos, como professor e pesquisador em regime de Dedicação Exclusiva na UFC, nas áreas de farmacognosia e de química orgânica, especialmente com produtos naturais. Numerosas comunicações em congressos, trabalhos publicados no Brasil e no exterior, muitos dos quais sobre estudos, envolvendo as áreas da taxonomia botânica, química de produtos naturais secundários e farmacologia, realizados em equipes de plantas medicinais em ocorrência no Nordeste tinham aí a justificativa de suas propriedades. Isto, mais a minha participação no Programa de Pesquisas de Plantas Medicinais, o PPPM, idealizado e coordenado pela antiga Central de Medicamentos do Ministério da Saúde (CEME), formaram a base para a criação do Projeto Farmácias Vivas, com o objetivo de promover a substituição de plantas usadas empiricamente por outras com a garantia de eficácia e segurança disponíveis na região. Havia chegado à hora de retribuir para o povo o que recebi em muitos anos de estudos como aluno da escola pública, do ginásio até a universidade.

Sapiência - Esse projeto é de suma importância porque auxilia no tratamento de saúde de comunidades mais carentes. Porém, não existem incentivos e nem políticas públicas que o fortaleça. Esses são os principais entraves para que ele seja ampliado?

Dr. Matos – Em parte sim. Apesar de ter sido uma idéia que deu certo e tem demorado muito a ser assumida pelos cursos da área de saúde das universidades, mesmo tendo sido aprovada em concurso promovido pela Fundação Banco do Brasil como uma tecnologia social efetiva. Conseqüentemente não se alcançou número mínimo necessário de profissionais das áreas da saúde e de agronomia para a ampliação do projeto. Espera-se que a recente aprovação por Decreto Presidencial da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fototerápicos direcione recursos para formação de pessoal e pesquisas e permitam a ampliação dessa metodologia e sua implantação a cada região do país.

Sapiência - O Brasil concentra pelo menos 22% das espécies de plantas floríferas conhecidas e catalogadas hoje na natureza. Das cerca de 120 mil espécies de plantas catalogadas no Brasil pela OMS, apenas duas mil são utilizadas como medicinais e, destas, apenas 10% são pesquisadas, de forma que, no futuro, se descubram eficácias terapêuticas. Por que a ciência não deu, até agora, a devida importância no âmbito das pesquisas químico-farmacológicas?

Dr. Matos – Pesquisas químico-farmacológicas são desenvolvidas habitualmente pelas grandes empresas farmacêuticas dos países do primeiro mundo com gastos de vários milhões de dólares na busca de novas moléculas biologicamente ativas, que viram patentes. Essas pesquisas no Brasil são realizadas a uma velocidade bem menor proporcional ao volume de recursos aplicados pelo Governo. Mais rendoso seria o trabalho de determinação da eficácia terapêutica das plantas usadas pelo povo. No Nordeste, são mais de 600 espécies, somente cerca de 100 têm determinadas, muitas vezes, só parcialmente sua eficácia e segurança.

Sapiência – A região dos cerrados possui uma fonte de riquezas incalculável com relação a plantas medicinais, a maioria ainda não estudada. Porém, há poucas leis ambientais que protegem esse ecossistema, como ocorre nas Florestas Amazônica e na Mata Atlântica. É possível, assim, que boa parte dessas espécies, que ajudam no desenvolvimento da fitoterapia, venha a ser extintas?

Dr. Matos – Sim, tanto no cerrado como na caatinga várias espécies estão sob risco, inclusive algumas usadas nos programas municipais de fitoterapia como a Aroeira do Sertão e a Imburana de Cheiro ou Cumaru do Nordeste. Com a ampliação do consumo, cresce o mercado de cascas e aumenta o risco de extinção da espécie. Este é outro aspecto da exploração de plantas para a fitoterapia.
Sapiência – Os pesquisadores do Núcleo de Pesquisas de Plantas Medicinais (NPPM) e Departamento de Química da UFPI estão desenvolvendo estudos em parceria. Projetos aprovados pelo CNPq contribuem até para a criação do Laboratório de Produtos Naturais e a criação do mestrado na área pode virar uma realidade. Como o Senhor analisa essa dinâmica do fazer pesquisa no Nordeste? De que forma as pesquisas em rede beneficiam determinada região?Dr. Matos – Em todo o Nordeste, existem tão bons pesquisadores quanto nos estados mais ricos do Centro-Sul. A parceria é uma boa forma de reunir boas cabeças de um lado e boas instalações de outro, além de acelerar o processo de capacitação dos grupos. Por outro lado, cria a oportunidade de estudo das plantas nordestinas muito pouco estudadas.
Sapiência – Como a população pode se beneficiar dos resultados de estudos com plantas medicinais?]
Dr. Matos – O projeto Farmácias Vivas e a Política Nacional de Plantas Medicinais já demonstram os benefícios deste estudo. A experiência tem mostrado que é possível controlar 80% dos males de uma comunidade com fitomedicamentos preparados com apenas 15 espécies do elenco selecionado pelo Projeto Farmácias Vivas.
Sapiência – O que falta para transformar os artigos científicos oriundos das teses e dissertações na área de plantas medicinais em patentes ou medicamentos fitoterápicos no Brasil?
Dr. Matos – Patentes requerem sigilo durante as pesquisas o que é incompatível com os estudos feitos por professores cujo apoio dos órgãos financiadores depende da produção científica do pesquisador. Para aproveitamento das pesquisas na criação de fitoterápicos há necessidade de uma metodologia aplicada a esse objetivo.
Sapiência – Que avaliação pode ser feita sobre o potencial farmacológico da nossa flora e o desenvolvimento de pesquisas nessa área?

Dr. Matos - O potencial é fantástico, especialmente na região amazônica. Mesmo no Nordeste é também muito grande, mas tempo para torná-lo realidade depende de mais investimentos em pessoal e material adequadamente dirigido, o que está previsto no documento que divulga a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Seria muito bom que todos os interessados assistissem atenciosamente ao excelente videoclipe “O problema dos fitoterápicos” produzido sob os auspícios do CNPq e da Fiocruz.
Sapiência – Há uma crítica sobre o conhecimento da Botânica disseminado na sociedade: o homem de hoje praticamente não conhece/identifica mais as plantas como no passado. Isto é decorrente da urbanização ou do desprezo à natureza em nome da tecnologia? Como isto afeta a pesquisa em plantas medicinais?

Dr. Matos – Isto acontece principalmente no meio urbano onde as pessoas se desligam da natureza, forçadas pela luta pela sobrevivência e quase que hipnotizadas pela propaganda do “tome isso”, “beba aquilo”, compre, compre, compre.
Sapiência – Amantes da natureza idealizam as virtudes dos produtos naturais, incluindo as plantas. Essa afirmativa é correta? Qualquer produto, por ser natural, é bom?

Dr. Matos – Ser natural não significa ser bom. O chá de espirradeira indevidamente usado para interromper uma gravidez não desejada, muitas vezes mata também a própria mãe. Um supositório de babosa usado pelo povo para tratar crises de hemorróidas pode provocar grave intoxicação renal se contiver quantidade apreciável do sumo amarelo das folhas.

Sapiência – Qual produto ou planta que vem sendo objeto maior de suas investigações científicas atualmente?

Dr. Matos – Duas plantas se constituem objeto maior de minhas atenções no campo da fitoterapia: o açafrão-da-índia (Curcuma longa L.) ou Açafroa no Ceará, e o Agrião-do-brejo (Eclipta erecta L.). A primeira atua como normalizador dos níveis de triglicérides e colesterol no sangue, ação anti-PAF, antiinflamatória, antidispéptica e protetora do intestino contra o câncer de cólon. A segunda, por suas atividades imunoestimulantes, potencialmente capaz de diminuir a freqüência das infecções oportunísticas dos portadores do vírus HIV e sua ação hepatocitoprotetora, potencialmente útil no controle do bem-estar de pacientes em tratamento antitumoral com os potentes quimioterápicos.

Sapiência
Nº 10 * Ano III * Dezembro de 2006 / ISSN - 1809-0915 Informativo produzido pela: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (FAPEPI)

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