Recebemos uma dica de leitura do blog http://ruadopadreingles.blogspot.com/2008/01/os-assassinatos-de-jango-jk-e-lacerda.html e estamos reproduzindo esta matéria complementando a postagem anterior feita por nós. Valeu a dica.
Os assassinatos de Jango, JK e Lacerda:
"Era a abertura política"
A propósito das recentes declarações do ex-agente secreto uruguaio Mario Barreiro, preso em Porto Alegre, sobre o assassinato do presidente João Goulart, vale a pena ler trecho da entrevista de Miguel Arraes dada aos jornalistas Ayrton Maciel e Ciro Carlos Rocha, publicada no Jornal do Commercio de 11.03.2001:
Jango, JK e Lacerda“Qual a razão para a eliminação deles?
Era a abertura política. Havia um começo de discussão sobre a abertura. Na medida em que os acontecimentos no Vietnã demonstravam um impasse cada vez maior, portanto a necessidade de negociação daquela guerra, começou-se a sentir a importância de se abrir na América Latina. A abertura seria uma conseqüência do impasse que a Guerra do Vietnã trazia para o mundo. A negociação lá implicava numa mudança de métodos, o que já se apontava em certos movimentos dos americanos. Um dos documentos americanos que revelam isso é o Relatório Rockfeller sobre a América Latina. Esse relatório declara que os militares não se constituíam numa classe social, e sim numa categoria. Como tal, eles eram instáveis ideologicamente. Sendo ideologicamente instáveis, as posições deles não se sustentavam em interesses concretos. Eles não eram merecedores de confiança. Setores importantes dos Estados Unidos achavam que a militarização não era uma solução para os problemas desses países todos, que eram diferentes entre si.
”A razão“
O assassinato político é um negócio que existe. Quando eu cheguei na Argélia, tinha sido assassinado o general português Humberto Delgado, na fronteira. E cito Olof Palmer, primeiro-ministro de um país como a Suécia, chefe do Partido Socialista, que tinha uma posição independente e era crítico da Guerra do Vietnã. Ele foi assassinado na saída do cinema, ninguém sabe porque quem.”O plano“Os americanos queriam a implantação de um certo grau de liberdade dentro desses países, porque não dá para conduzir o mundo apenas debaixo das botas dos soldados. Algum político, alguma coisa interna teria de dar condições de negociação, mesmo que fossem precárias, mas aliviaria o fardo de uma repressão e de uma categoria como os militares, que haviam passado a mandar isoladamente. Eles decidiriam com o povo, e ficaria por isso. O perigo que havia, então, eram as pessoas com ascendência sobre o povo. Aberto o Brasil, apareceriam Juscelino, Jango e Carlos Lacerda. Todos reunidos em torno de Juscelino. Quem seguraria? Todo mundo iria para Juscelino. A esquerda, o centro, a opinião pública. Ele foi um presidente importante. Não dava para soltar Juscelino sem o regime ter problemas, ainda mais ajudado por Jango e Lacerda.
”Medida preventiva“
Uma espécie de condição para a abertura política era eliminá-los. Foi uma medida preventiva contra os fatos. Nós iríamos para a abertura, e para se ter uma abertura sem muito perigo essas pessoas teriam de desaparecer. Porque, se abrem, quem era que segurava? A mesma coisa aconteceu nos outros países. Um homem como Carlos Prats (comandante do Exército do Chile), ministro de Salvador Allende, general com peso em parte do Exército, reconhecido pela opinião pública, não era qualquer um. Era uma prevenção diante de uma abertura que precisava ser controlada. Era o que se passava na cabeça da extrema-direita do Cone Sul. O desaparecimento dessas pessoas foi uma condição para a abertura.”Americanos“Não sei se eles idealizaram. Entre os americanos também existem suas diferenças. Alguns americanos queriam botar pra quebrar, outros não. Não era uma coisa uniforme, a ponto de todos quererem militarizar. Se perguntassem ao povo americano, ele não queria isso. É um povo que reage a certos acontecimentos de uma maneira positiva. O povo americano não pode ser confundido com aquela situação. Eles não têm acesso a essa decisão, e dentro da estrutura americana mesmo existem diferenças e pessoas que não seguiram por aquele caminho.
”O coronel“
Fui procurado por um coronel argelino, assessor do presidente da Argélia. Eu o conhecia, era uma pessoal com quem eu tinha ligação. Ele comandava o departamento que lidava com as questões internacionais, e que não tinha nada a ver com o Ministério do Exterior. Cuidava da parte de estudos estratégicos, pesquisas, a parte da inteligência do Governo. Ele foi lá em casa e me falou que três pessoas iriam me procurar com informações que eram do meu interesse e da segurança de muita gente. Ele me disse: ‘Não saia de casa’. Eles chegaram, alguns dias depois, olharam a casa e pediram para que a conversa fosse do lado de fora.
”O Condor“
Era uma decisão da direita do Cone Sul. Foi o que revelaram essas pessoas na Argélia. Disseram que estavam transmitindo uma informação saída de uma reunião da extrema-direita do Cone Sul. Eles não se identificaram, nem podiam. Tinham uma função muito particular. Falavam em francês. Um me pareceu argelino, por causa da forma de falar. Eles disseram que todas as pessoas que tivessem relações de peso em seus países deveriam se acautelar. Não foram de muita conversa, não. O essencial foi isso. Disseram que a extrema-direita do Cone Sul tinha decidido eliminar políticos e dirigentes com representatividade em seus países. Procurei, então, gente na Europa, gente de confiança. Avisei e pedi que retransmitissem o alerta, e mandei um aviso a Leonel Brizola, que estava no Uruguai. O aviso chegou a ele. Ele pode confirmar isso.
”A operação“
O alerta chegou 20 a 30 dias antes dos assassinatos dos uruguaios Gutierrez e Michelline, o primeiro deputado e o segundo senador, que se encontravam na Argentina. Eram importantes lideranças. Em seguida, começou a onda de assassinatos no Chile, na Bolívia, no Uruguai, na Argentina, no Brasil, e o resto. É só ver a seqüência das datas. Os uruguaios foram estourados na Argentina a bomba. Chilenos foram mortos também na Argentina. O general Torres, na Bolívia. Um bocado de gente morreu. Um ex-ministro de Salvador Allende (o chanceler Orlando Letelier) foi assassinado nos Estados Unidos (o carro explodiu ao abrir a porta, em Washington), e um outro sofreu um atentado na Itália, mas não morreu, ficou paralítico. E aí vêm Juscelino, Jango e Lacerda, em seqüência. Juscelino em um desastre, Jango de repente (oficialmente, enfarto) e Lacerda foi ao hospital. As pessoas dizem que ele saiu bem de lá e depois morreu.”Por que Lacerda?“Lacerda era um líder de direita, mas estava unido a Juscelino e a Jango, na Frente Ampla pela abertura. Ele tinha sido escorraçado pelo Golpe de 1964.
”A seleção“
A Operação Condor, no Brasil, foi um processo muito seletivo, diferente do que ocorreu no Chile e na Argentina. Aqui, além das lideranças populares, a abertura dependia da eliminação das lideranças do Partidão (PCB) que tinham uma posição de enfrentamento ao regime, como foi o caso do Davi Capistrano (ex-combatente da Guerra da Espanha), que desapareceu. O próprio Carlos Marighella (PCdoB, ex-Partidão), morto em 1968, pode ser incluído nessa estratégia. Os do Partidão que não tinham posição de enfrentamento sobreviveram. O desaparecimento seletivo da direção do Partidão também foi uma condição para a abertura política.”
TRECHO DE UMA ENTREVISTA DE MIGUEL ARRAES
Postado por Unknown às quinta-feira, janeiro 31, 2008
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