Para o presidente pensar:
O RECADO DAS VAIAS
COLUNA DE PEDRO PORFÍRIO SAMPAIO NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 16/07/ 2007
"Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele se realiza todos os dias".
Alberto Camus, escritor argelino-francês, (1913-1960) prêmio Nobel de Literatura de 1957.
Não há como tapar o Sol com a peneira: as vaias ao presidente Lula no Maracanã, respeitadas suas características peculiares, podem ser entendidas como uma ampla pesquisa de opinião, com a vantagem de ter sido pública, aberta, espontânea e à prova de manipulação.
Não festejo a manifestação porque ficou muito chato o presidente da República ter decidido não formalizar a abertura dos jogos pan-americanos, como é da tradição, por conta do constrangimento que passou.
Mas acho que ja é hora de alguém chamar a atenção do sr. Luiz Inacio sobre os desígnios da história. São fartos os exemplos de quedas livres de mitos construídos em condições atípicas. Isso pode acontecer da noite para o dia, em função de erros pontuais que ganham repercussões inesperadas.
Não considero que as vaias do Maracanã ja estejam sinalizando para esse declínio irreversível. Mas será um ledo equívoco atribuí-las exclusivamente a uma tradição já comentada por Nelson Rodrigues, conhecedor profundo da alma carioca.
Não foi uma vaia: foi uma sucessão de vaias, algo que não pode ser atribuído a nenhum grupo organizado. E em momento de grande euforia, quando as 90 mil pessoas presentes ao Maracanã deliravam vitoriosas com o espetáculo de surpreendente beleza.
Entender o recado
A Presidência da República dispõe de pessoal especializado para trocar em miúdos essa manifestação popular, que se concentrou na figura de Lula. E ele não era a única autoridade presente, não era, portanto, a única figura vulnerável a esse tipo de sufoco. Mas foi o escolhido pela turba que, de uma forma ou de outra, demonstrou algum tipo de insatisfação.
Vaias são vaias, não mais do que vaias. Está bem. Não são um manifesto político, uma passeata determinada com uma agenda de descontentamento. Repito isso, porque a prudência da análise impõe.
Mas mesmo assim arrisco-me a associar esses apupos aos últimos escândalos políticos, que já passaram da mais tolerante das contas. Porque ostensivamente o presidente Luiz Inacio tem se colocado numa postura infeliz, do pior lado.
É o caso desse triste e vergonhoso escândalo que pode levar o Senado da República ao mais deprimente descrédito. Um escândalo em série, no qual, como disse Hélio Fernandes, em sua coluna de sábado, "o senador Renan Calheiros praticou tanta bobagem a partir das denúncias que surgiram contra ele que agora sua situação ficou insustentável".
Essas bobagens respingaram na imagem do presidente Luiz Inacio graças ao próprio. Em todos os momentos, desde que o presidente do Senado foi pilhado numa estranha associação a um lobista de uma grande construtora, Lula tem tornado pública e notória sua solidariedade.
No afã de colocar-se ao lado do indefensável, o presidente da República chegou ao extremo de reclamar contra a presença do seu correligionário Eduardo Suplicy no Conselho de Ética, porque o senador paulista certamente não seria pau mandado e não aprovaria uma chicana no processo aberto contra o colega.
Calheiros disse, e não foi desmentido, que o que ele sofresse resvalaria sobre Lula. É possível que, no refluxo, essas vaias tenham sido dirigidas também ao presidente do Senado, através do seu aliado.
O comportamento do sr. Renan Calheiros não tem precedentes. Diante do que tem feito, as primeiras denúncias sobre a inexplicável utilização de um lobista da Construtora Mendes Junior para pagar a pensão à jornalista Monica Veloso, que por si já tão graves, tornaram-se insignificantes.
Certamente com o apoio do Palácio do Planalto, do lider do governo naquela casa, senador Romero Juca, Calheiros exibiu o grande troféu da impunidade ao postar-se como o condutor do seu próprio julgamento, valendo-se principalmente do conhecimento das vidas pregressas da maioria dos seus pares.
Ao declarar que ele próprio era a instituição e ao valer-se do cargo de presidente da Casa para impedir o julgamento sereno das denúncias de que foi alvo, Renan Calheiros jogou na mesma vala os principais sustentáculos do regime representativo.
Motivos de indignação
Não podia ter sido mais infeliz na seqüência de atos praticados com a chancela da bancada governista, principalmente do PT. Desde as primeiras acusações, o mínimo que o presidente de um Senado deveria ter feito era licenciar-se do cargo e entregar sua sorte a um Conselho de ética sério. Ele não renunciou e ainda tentou montar uma caricatura de conselho, sob seu controle direto e absoluto.
Sob o foco de toda a mídia, seu posicionamento só serviu para comprometer a defesa, que ainda tentou sustentar, de forma desastrada, com a apresentação de documentos forjados, que incluiam notas sobre vendas de bois a preços superfaturados e recebidos de firmas desativadas.
Ao prolongar o desfecho de seu caso, que não tem mais remédio e não pode contar com nenhum milagre do Frei Galvão, Renan Calheiros deu um tiro mortal em seu próprio coração, atingindo todo o espectro do poder institucional. Quanto mais tempo levar para o desfecho, mais ferida estará toda a corte política, mais desalentado estará o povo e mais enfraquecida a democracia representativa.
Como o presidente do Senado resolveu desafiar os fatos "e contra fatos notórios não há subterfúgios" ele passou a comprometer a todos os que, por razões ocultas, mas perceptíveis, associaram-se a sua tentativa de salvar a pele a qualquer preço, mesmo afetando a imagem ja vulneravel da instituição que preside.
E, como não poderia deixar de ser, esta levando na mesma onda a figura do presidente da República, seu aliado explícito.
Não seria essa a única razão das vaias do Maracanã. Mas de tanto assinar cheques em branco para seus parceiros, Lula vai diluindo sua blindagem, mesmo contando com os recursos mágicos do chefe de uma grande máquina de poder e com o dorso subserviente dos mal acostumados beneficiarios da caridade oficial.
Vaias são vaias. As do presidente podem não ser pelo que pensamos, mas, com certeza, não são apenas uma brincadeira de mau gosto.
COLUNA DE PEDRO PORFÍRIO SAMPAIO NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 16/07/ 2007
"Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele se realiza todos os dias".
Alberto Camus, escritor argelino-francês, (1913-1960) prêmio Nobel de Literatura de 1957.
Não há como tapar o Sol com a peneira: as vaias ao presidente Lula no Maracanã, respeitadas suas características peculiares, podem ser entendidas como uma ampla pesquisa de opinião, com a vantagem de ter sido pública, aberta, espontânea e à prova de manipulação.
Não festejo a manifestação porque ficou muito chato o presidente da República ter decidido não formalizar a abertura dos jogos pan-americanos, como é da tradição, por conta do constrangimento que passou.
Mas acho que ja é hora de alguém chamar a atenção do sr. Luiz Inacio sobre os desígnios da história. São fartos os exemplos de quedas livres de mitos construídos em condições atípicas. Isso pode acontecer da noite para o dia, em função de erros pontuais que ganham repercussões inesperadas.
Não considero que as vaias do Maracanã ja estejam sinalizando para esse declínio irreversível. Mas será um ledo equívoco atribuí-las exclusivamente a uma tradição já comentada por Nelson Rodrigues, conhecedor profundo da alma carioca.
Não foi uma vaia: foi uma sucessão de vaias, algo que não pode ser atribuído a nenhum grupo organizado. E em momento de grande euforia, quando as 90 mil pessoas presentes ao Maracanã deliravam vitoriosas com o espetáculo de surpreendente beleza.
Entender o recado
A Presidência da República dispõe de pessoal especializado para trocar em miúdos essa manifestação popular, que se concentrou na figura de Lula. E ele não era a única autoridade presente, não era, portanto, a única figura vulnerável a esse tipo de sufoco. Mas foi o escolhido pela turba que, de uma forma ou de outra, demonstrou algum tipo de insatisfação.
Vaias são vaias, não mais do que vaias. Está bem. Não são um manifesto político, uma passeata determinada com uma agenda de descontentamento. Repito isso, porque a prudência da análise impõe.
Mas mesmo assim arrisco-me a associar esses apupos aos últimos escândalos políticos, que já passaram da mais tolerante das contas. Porque ostensivamente o presidente Luiz Inacio tem se colocado numa postura infeliz, do pior lado.
É o caso desse triste e vergonhoso escândalo que pode levar o Senado da República ao mais deprimente descrédito. Um escândalo em série, no qual, como disse Hélio Fernandes, em sua coluna de sábado, "o senador Renan Calheiros praticou tanta bobagem a partir das denúncias que surgiram contra ele que agora sua situação ficou insustentável".
Essas bobagens respingaram na imagem do presidente Luiz Inacio graças ao próprio. Em todos os momentos, desde que o presidente do Senado foi pilhado numa estranha associação a um lobista de uma grande construtora, Lula tem tornado pública e notória sua solidariedade.
No afã de colocar-se ao lado do indefensável, o presidente da República chegou ao extremo de reclamar contra a presença do seu correligionário Eduardo Suplicy no Conselho de Ética, porque o senador paulista certamente não seria pau mandado e não aprovaria uma chicana no processo aberto contra o colega.
Calheiros disse, e não foi desmentido, que o que ele sofresse resvalaria sobre Lula. É possível que, no refluxo, essas vaias tenham sido dirigidas também ao presidente do Senado, através do seu aliado.
O comportamento do sr. Renan Calheiros não tem precedentes. Diante do que tem feito, as primeiras denúncias sobre a inexplicável utilização de um lobista da Construtora Mendes Junior para pagar a pensão à jornalista Monica Veloso, que por si já tão graves, tornaram-se insignificantes.
Certamente com o apoio do Palácio do Planalto, do lider do governo naquela casa, senador Romero Juca, Calheiros exibiu o grande troféu da impunidade ao postar-se como o condutor do seu próprio julgamento, valendo-se principalmente do conhecimento das vidas pregressas da maioria dos seus pares.
Ao declarar que ele próprio era a instituição e ao valer-se do cargo de presidente da Casa para impedir o julgamento sereno das denúncias de que foi alvo, Renan Calheiros jogou na mesma vala os principais sustentáculos do regime representativo.
Motivos de indignação
Não podia ter sido mais infeliz na seqüência de atos praticados com a chancela da bancada governista, principalmente do PT. Desde as primeiras acusações, o mínimo que o presidente de um Senado deveria ter feito era licenciar-se do cargo e entregar sua sorte a um Conselho de ética sério. Ele não renunciou e ainda tentou montar uma caricatura de conselho, sob seu controle direto e absoluto.
Sob o foco de toda a mídia, seu posicionamento só serviu para comprometer a defesa, que ainda tentou sustentar, de forma desastrada, com a apresentação de documentos forjados, que incluiam notas sobre vendas de bois a preços superfaturados e recebidos de firmas desativadas.
Ao prolongar o desfecho de seu caso, que não tem mais remédio e não pode contar com nenhum milagre do Frei Galvão, Renan Calheiros deu um tiro mortal em seu próprio coração, atingindo todo o espectro do poder institucional. Quanto mais tempo levar para o desfecho, mais ferida estará toda a corte política, mais desalentado estará o povo e mais enfraquecida a democracia representativa.
Como o presidente do Senado resolveu desafiar os fatos "e contra fatos notórios não há subterfúgios" ele passou a comprometer a todos os que, por razões ocultas, mas perceptíveis, associaram-se a sua tentativa de salvar a pele a qualquer preço, mesmo afetando a imagem ja vulneravel da instituição que preside.
E, como não poderia deixar de ser, esta levando na mesma onda a figura do presidente da República, seu aliado explícito.
Não seria essa a única razão das vaias do Maracanã. Mas de tanto assinar cheques em branco para seus parceiros, Lula vai diluindo sua blindagem, mesmo contando com os recursos mágicos do chefe de uma grande máquina de poder e com o dorso subserviente dos mal acostumados beneficiarios da caridade oficial.
Vaias são vaias. As do presidente podem não ser pelo que pensamos, mas, com certeza, não são apenas uma brincadeira de mau gosto.
Comentário: Pedro Porfírio Sampaio, 64 anos, é cearense de Fortaleza, foi secretário do Governador Brizola e atualmente é vereador (PDT) no Rio de Janeiro. Foi nosso colega na década de 1950 no Ginásio Salesiano Domingos Sávio de Baturité. Reencontramos Pedro Porfírio recentemente por um desses acasos que só a internet pode proporcionar. De maneira cordial nos enviou autografado seu livro de memórias: CONFISSÕES DE UM INCONFORMISTA (vol.I) editora Fábrica do Conhecimento, onde narra, entre outras coisas, seu sofrimento nos porões da ditadura, nos anos de chumbo.
0 comentários:
Postar um comentário