RECORDANDO OS ANOS 50

ESTAÇÃO QUIXADÁ(Gilberto Telmo Sidney Marques - cidadão quixadaense)

Ah Quixadá dos meus sonhos, dos meus dias risonhos!

O trem que leva a Quixadá sai de Fortaleza as cinco da matina. A velha maria fumaça da R.V.C (Rede de Viação Cearense), resfolga por entre as brumas da madrugada. O comboio serpeia sobre os trilhos. Sucedem-se as estações. Otávio Bonfim,Quilômetro Oito, Parangaba, Mondubim... O dia amanhece de vez...

Em Pacatuba tem banana seca. Em Baturité, manga, laranja e uva. O condutor anuncia: Capistrano, Itapiúna, Caio Prado...

O sol do Sertão brilha com intensidade. Muquém, Daniel de Queiroz, da Rachel, de Não-me Deixes.

Sol a pino. Desponta Quixadá. Abrem-se as cortinas de granito. Surge a visão avassaladora dos monólitos. Imensas esculturas de pedra. Sentinelas da Princesa. Da Princesa do Sertão.

A locomotiva diminui a marcha. Solta uma baforada de vapor. Apita e pára na Estação Quixadá.

Na gare da estação, intenso movimento. Gente descendo do trem procurando parentes. Gente subindo no trem procurando lugares. Carreteiros solícitos com chapéus chapeados. Vendedores de comida. Agua fria nas quartinhas, servida em copos de vidro ou latas de leite condensado vazias.

Lá embaixo, junto à praça, as charretes. O jipe do padre ou do prefeito.

Quixadá dos anos 50 é só progresso. Vive a época das boas safras de algodão. Tem muitas usinas. As fábricas de rede, de sabão, de mosaico.

Há, próximo à estação, o Curtume Belém. Empresa modelar, produz e exporta couros. Calça cearenses de todas as classes. É o curtume do sr. Capelo, da D. Fernanda, do Dedé Preto, do Mariano Monte, do Zé Adolfo. De todos os quixadaenses. Dele restam apenas as ruinas no Sítio Baviera...

Quixadá dos anos 50 é só beleza. Imensos casarões de arquitetura sóbria e paredes resistentes. O Chalé da Pedra. O prédio da Prefeitura. A ação do tempo e a insensibilidade humana estão logrando destruir nossos monumentos. Dádiva da natureza, sobrevive a Galinha Choca. Obra-prima da engenharia nacional, orgulha-nos o Cedro. Soberbo, imponente, imperial. São nossos cartões postais.

Quixadá dos anos 50 não tem miséria absoluta. Convive fraternalmente com seus poucos indigentes. Não há meninos famintos nas ruas...

A passagem do trem é rotineira. Mas, é uma atração do cotidiano de Quixadá e de todas as outras cidades do interior. Na estação se encontram pessoas de todas as camadas sociais, sob os mais diferentes pretextos. Fazer negócios, esperar amigos, parentes, bisbilhotar.

Inorporada aos tipos da estação Quixadá, encontro a Luzia. Alta, magra, esguia, olhos fundos, nariz adunco. O fichu cobrindo os cabelhos esmaecidos. O vestido roto. O chinelo surrado, empoeirado. O organismo debilitado pela necessidade, pelos anos de sofrimento. As marcas do tempo no rosto. estende a mão à caridade pública. E implora, voz sumida:

- Me dê uma esmolinha. O velho morreu. A velha tá na peinha.

E a canalha insensível, sádica:

-Só recebe esmola se chorar.

No começo da viuvez ela ainda consegue chorar. Logo as lágrimas secam. Como os açudes do Sertão. No tempo da seca. A tentativa de chorar falha.Vira careta.

Luzia faz parte da paisagem quixadaense. Como as charretes. Como os casarões. Como o prédio da Prefeitura. Como o trem de passageiros. Como os monólitos.

Rareiam as charretes. Os casarões são substituidos por construções pretensamente modernas. O prédio da Prefeitura, a insanidade destruiu.

Com o último trem a Luzia partiu para uma viagem sem retorno.

Testemunhas silenciosas, impotentes ante a fúria predatória restam a estação ferroviária, os trilhos do trem, os monólitos.

Até quando?

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