SOBRE O TRÂNSITO

Recebi este artigo do amigo Luis Carlos. Um trabalho de grande relevância para que possamos ter um trânsito melhor e uma população mais educada.

TRÂNSITO NO BRASIL: E A EDUCAÇÃO?
por Luis CarlosPaulino
Acadêmico do Curso de Direito - Faculdade Católica Rainha do Sertão (Quixadá – CE);
1º Sargento da Polícia Militar do Ceará; Ex-Diretor de Operação e Fiscalização da Autarquia Municipal de Trânsito de Quixeramobim – Ceará; Associado à ABPTRAN (Associação Brasileira de Profissionais de Trânsito);
ppmqxb@ig.com.br / transitoseguro@hotmail.com

O presente artigo tem como objetivo traçar algumas linhas sobre a importância da correta destinação a ser dada pelo Governo Federal aos recursos que são arrecadados com a aplicação das multas de trânsito, de forma específica e legal, para a denominada “Educação do Trânsito”.

O primeiro Código de Trânsito do Brasil data de 1941 e, ao longo de seus 12 capítulos, em nenhum momento aludia ao tema educação. As primeiras referências foram trazidas pelo Código Nacional de Trânsito, instituído pela Lei nº. 5.108 de 21 de setembro de 1966, que mencionava acanhadamente a exigência de um representante do Ministério da Educação e Cultura na composição do Conselho Nacional de Trânsito, a previsão de campanhas educativas de trânsito e, por fim, a divulgação de noções de trânsito nas escolas primárias e médias do País.

Dílson de Souza Almeida, por ocasião de palestra proferida em 1999, ou seja, logo após vir a lume o atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB, em vigor a partir de 22 de janeiro de 1998), observou, com bastante sagacidade, que no Código Nacional de Trânsito (o de 1966), in verbis:

“... A palavra educação aparece duas vezes; o termo campanhas educativas, quatro vezes; a palavra aprendizagem, duas vezes. Assim, o tema educação aparece num total de oito vezes, o que representa pouco mais de 6%, levando em conta os 131 artigos da Lei.”

Já, com respeito e relação ao CTB, o arguto estudioso reparou que nele:

“... A palavra educação pode ser lida vinte e oito vezes, além de mais 13 palavras e termos correlatos (aprendizagem, campanha educativa, especialização, nível de ensino, currículo de ensino, currículo interdisciplinar, escola pública, etc.) que aparecem vinte e uma vezes.”

O tema é abordado, portanto, quarenta e nove vezes, o que representa 15% dos 341 artigos da Lei.

Em face de tanta importância reservada ao assunto, quis o legislador assegurar o aporte de recursos financeiros que pudessem viabilizar as ações objetivadas, concebendo, desde logo, um Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito, o atual FUNSET. A previsão consta do próprio CTB, ao estabelecer, in verbis, que:

“A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.
Parágrafo único. O percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito. (Art. 320 do CTB).”

É fato que, ainda no mesmo ano (1998), de forma mais explícita, criou-se e regulamentou-se o evidenciado Fundo (Lei nº. 9.602/98 e Decreto nº. 2.613/98, respectivamente). Dispõe, ainda, a legislação sobre outras receitas a serem destinadas ao FUNSET, todavia, em maior densidade constitui-se ele do percentual (5%) das multas aplicadas e recebidas pelos órgãos de trânsito de todo o país. Considerando-se a quantidade de autuações registradas diariamente em todo o país, inevitável que se reconheça: é uma soma volumosa!

Não bastasse, quis o legislador pátrio incrementar mais a arrecadação a ser destinada à prevenção, aí novamente inclusa a educação, fixando o seguinte:

“Art. 78. Os Ministérios da Saúde, da Educação e do Desporto, do Trabalho, dos Transportes e da Justiça, por intermédio do CONTRAN, desenvolverão e implementarão programas destinados à prevenção de acidentes.
Parágrafo único. O percentual de dez por cento do total dos valores arrecadados destinados à Previdência Social, do Prêmio do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre - DPVAT, de que trata a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, serão repassados mensalmente ao Coordenador do Sistema Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de que trata este artigo.”

Ora, a Constituição Federal de 1988, nos termos de seu art. 5º, garante a todos o direito à vida e à segurança, conforme se observa:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”...

A Carta da República estatui, outrossim, a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI da CF). Destaque-se, ademais, que à luz do art. 19, XII do CTB (códex editado visando atender o mandamento constitucional nesse particular aspecto) cabe ao órgão máximo executivo de trânsito da União, leia-se DENATRAN - departamento vinculado ao Ministério das Cidades -, administrar o já referido Fundo de Segurança e Educação de Trânsito.

Nota-se que é dever constitucional da União investir na implantação de projetos que privilegiem a prevenção de acidentes viários, com a necessária ênfase na elaboração e implementação de programas de educação de trânsito.

Importante registrar que em 30 de agosto de 2006 o Ministro das Cidades, advogado Márcio Fortes de Almeida, o qual também preside o Conselho das Cidades, ao editar a Resolução Recomendada nº. 18/2006 daquele Conselho, advertia sobre a gravidade do problema do trânsito brasileiro, alertando os titulares dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento e Gestão para os pontos a seguir expostos:

1. Os acidentes no trânsito que resultam em mortes, feridos e pessoas com deficiência têm se tornado uma “epidemia nacional”;

2. Os números dos acidentes se tornaram assustadores para uma nação ao ter cifras superiores a 30 mil mortos por ano, 350 mil feridos, dos quais 100 (mil) tornam-se portadores de deficiência;

3. Os recursos federais alocados em ações e programas de mobilidade urbana, segurança e educação no trânsito têm diminuído ano após ano.

4. Os recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito – FUNSET, e do Seguro Obrigatório de Danos Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – DPVAT, vão atingir a cifra de R$ 800 milhões de reais contingenciados;


No mesmo expediente, atento ao evidente paradoxo da situação delineada, o Presidente do Conselho das Cidades alertava que “enquanto a receita arrecadada do Seguro Obrigatório sobe geometricamente, apenas 50% dos recursos são aplicados em Segurança e Educação no Trânsito”. A resolução 18/2006 do Conselho das Cidades fecha-se com a recomendação ao Ministério da Fazenda e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão no sentido do imediato “descontingenciamento” dos recursos do FUNSET e DPVAT para sua utilização em programas de Segurança e Educação no Trânsito.

Merece consideração, além disso, o fato de que, consoante se infere da própria resolução em análise, recomendação semelhante já fora publicada, apelando-se na enfocada resolução de natureza reiterativa, inclusive, para a feição dramática do trânsito brasileiro. É o que fica claro da parte do texto aqui transcrita:

“Este Conselho já aprovou na Resolução nº 08, de 16 de junho de 2004, a recomendação aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, sobre a imediata utilização dos recursos do FUNSET”;

“Desde a aprovação da referida Resolução, morreram mais de 60 mil pessoas no trânsito brasileiro”.

Não obstante isso, de acordo com a Deputada Federal Solange Amaral, tendo por base essas duas fontes – FUNSET e DPVAT, a União teria arrecadado, desde 1998, cerca de dois bilhões de reais, aplicando desse montante somente o equivalente a cem milhões de reais e, mais incrível, dos recursos aplicados 79% teriam sido destinados ao Serpro (responsável pela manutenção e atualização dos sistemas de dados e de informações de gestão do Sistema Nacional de Trânsito)[1].

Ou seja: a menor parte destinada a ações de segurança e educação no trânsito, desiderato maior do legislador que instituiu o CTB e anseio de toda a sociedade.

Excelente a ocasião em que se promove, no âmbito do Poder Legislativo Federal e nos meios de comunicação, o debate em torno da aplicação dos recursos do FUNSET e do DPVAT.
Quiçá isso venha a provocar maior envolvimento da sociedade na discussão, pois, como visto anteriormente, reiteradas resoluções do Conselho das Cidades não foram bem sucedidas em convencer a União a, de fato, liberar o numerário obtido.

Parafraseando a parlamentar aqui já referida, não se concebe que dinheiro arrecadado pelo FUNSET e DPVAT continue sendo utilizado para “irrigar o bolo do superávit primário”. Espera-se que os recursos contingenciados sejam finalmente disponibilizados e, mediante a observância de critérios técnico-legais, a eles sejam dadas destinações previstas na legislação constitucional e infraconstitucional específicas, a saber: SEGURANÇA E EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO.

Diante do exacerbado quadro de violência ora verificado no trânsito brasileiro, não se pode olvidar da lapidar lição do eterno mestre Paulo Freire: “A educação é uma forma de intervenção no mundo”. A mais importante delas. E no trânsito brasileiro não poderia ser diferente. Conclui-se.




[1] Informações constantes do requerimento 139/2009 – CFFC, de autoria da Deputada Federal Solange Almeida (PMDB – RJ), apresentado em 01/04/2009, resultando em audiência pública com o Sr. Alfredo Peres da Silva, diretor do DENATRAN, e outros interessados.

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