OPINIÃO DO LEITOR

QUIXADÁ: METAS DESFOCADAS NA GESTÃO DO TRÂNSITO

A palavra meta traduz, de acordo com o dicionário Aurélio, dentre outras coisas, a ideia de objetivo. Cota, por sua vez, diz respeito a limite. É, grosso modo, a prestação, delimitada quantitativamente, com que cada indivíduo, necessariamente, deve contribuir para um determinado fim.

Feitas essas considerações, destaque-se, que o princípio da eficiência (explicitado no art. 37 da Constituição Federal) - ou princípio da boa administração, como prefere o douto administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello -, é norma de observância obrigatória por todos aqueles que, direta ou indiretamente, compõem a Administração Pública. É, em outras palavras, de caráter vinculante o direito à boa administração. Nesse sentido, a meta no serviço público deve ser a eficiência, pautada, sempre, na legalidade, pois, ainda na linha do referido autor, jamais uma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência: legalidade (“entre nós, nunca é demais fazer ressalvas óbvias”).

Desse modo, diante da notícia veiculada neste importante periódico (DN, 14/10/2009, capa do caderno Regional – “COTA DE MULTAS GERA PROTESTOS EM QUIXADÁ”), causa espécie aos cidadãos, notadamente os moradores daquela acolhedora cidade, a declaração atribuída ao diretor do Departamento Municipal de Trânsito local dando conta de que - conforme a referida reportagem, a qual encontra-se embasada, inclusive, em um arquivo de áudio –, o aludido órgão de trânsito teria como meta essencial a ser perseguida pela equipe de fiscalização, não a diminuição do índice de acidentes, não a organização do trânsito de modo a proporcionar melhores condições de fluidez e segurança, ou, ainda – como seria bastante razoável se esperar - a implantação de uma política de educação contextualizada para o trânsito. Nada disso. O alvo seria a lavratura de uma autuação diária por parte de cada um dos agentes de serviço.

Tal diretriz, convenha-se, assemelha-se a exigir, sob pretexto de “eficiência”, que policiais prendam, a cada jornada de serviço, certo número de pessoas, pouco importando se ocorrerão ilícitos em número suficiente para a consecução da “meta”. Em um dia mais calmo, mais tranquilo, que se faça uso da presunção de legitimidade comum aos atos dos agentes públicos e se recolha, indistintamente, criminosos e inocentes ao cárcere. Afinal, o importante é alcançar a “meta”. Mais, reflita-se, caso a obrigação do servidor - na hipótese, agente de fiscalização de trânsito -, circunscrevesse-se a uma autuação diária, lavrada a “multa” (na verdade, tecnicamente falando, auto de infração) logo nos primeiros minutos de sua lida diária, desobrigado estaria ele. De somenos importância a deseducação, a violência e o desrespeito imperando na via pública enquanto se perfizesse sua carga horária restante. Afinal, a “meta” já fora atingida.

Não se pode descurar de quão extensa é, pelo vigente Código de Trânsito, a competência reservada aos municípios nas atribuições executivas – e não normativas ou consultivas - relacionadas à matéria. O dever de fiscalizar, e de sancionar, se for o caso, é apenas uma das facetas dessa gama de obrigações. Na verdade, atualmente, diante da tamanha importância que o trânsito representa para a vida nacional, aos munícipes foi instituído um novo direito, ou seja, a garantia a um trânsito seguro. Na lição do sempre citado professor Arnaldo Rizzardo, tal direito encontra-se inserto nos chamados direitos fundamentais e, conforme preleciona ele com inigualável precisão, essa prerrogativa do cidadão concretiza-se com o trânsito regular, organizado e planejado. Mas não apenas no pertinente à defesa da vida e da incolumidade física (bens de importância inconteste). É mais abrangente o direito ao trânsito seguro. Contempla, inclusive, a regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas.

Se evidenciado direito já é, em sua plenitude, garantido a todos os atores do trânsito em Quixadá, congratulações! Tem-se por lá uma gestão de trânsito eficiente. Caso contrário, desconsiderem-se os sofismas e reconsiderem-se as metas.

Luís Carlos Paulino – representante regional da ABPTRAN (Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito), colaborador da revista jurídica Leis&Letras, onde escreve sobre trânsito. Contato: transitoseguro@hotmail.com / (88) 3444.3005.

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